Utopias e Ruínas
A cidade e sua gramática. Sua sintaxe de pressa, seu ir-e-vir conectado às linhas de uma organização urbana, seu sistema metroviário; o abismo que se estabelece entre nós. A cidade em seu fluxo contínuo almeja um progresso sem atenção, e é mais uma vez ao revés desse movimento que Marina Rodrigues se lança na série “Utopias e Ruínas”.
Uma nova abordagem em seu trabalho, uma espécie de ruptura de continuidade, onde o novo se soma a uma obstinada pesquisa; uma nova camada sobre a sua Tape Art e sua geometrização urbana. Como quem atravessa São Paulo em 2020, e questiona para onde está indo esse fluxo, Marina recolhe o rumor da rua: jornais, revistas antigas e vestígios escritos de nosso tempo passam a incorporar suas telas. Muito mais do que a inserção de um objeto cotidiano, que a uma rápida intuição já nos remete ao cubismo de Picasso e George Braque, a artista convoca a memória, ou mesmo o silenciamento desses objetos, condenados ao perecível, já que mesmo as notícias têm o seu progresso.
Se antes falávamos de uma geometria sensível em seu trabalho, hoje já podemos falar de uma espécie de geometria crítica. Crítica, no sentido de que não se abstém de sua potência estética, ao mesmo tempo em que passa a dialogar com novos elementos; e esse diálogo é político, e é conceitual. Seu gesto traduz esse aspecto profundamente existencial: o presente é o tempo de convívio com ecos, a voz que sobra do passado e o rumor incerto do futuro, é o tempo agônico e o único atuante. Marina os sobrepõe, homenageia essa pólis geométrica e convoca a sensibilidade da impermanência. Seu gesto alude ao nosso tempo, os jornais gastos, o imperativo da ordem: um tempo em que toda promessa de utopia só pode ser a arqueologia de nossas ruínas.
Por Flávio Morgado
Poeta, crítico de arte e editor da Revista A Palavra Solta
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Conforto, Série Utopias e Ruínas, 2020,
Colagem de jornal, cimento acrílico e fita adesiva sobre tela, 110 x 150cm
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Luz no nevoeiro, Série Utopias e Ruínas, 2020, Colagem de jornal, cimento acrílico e fita adesiva sobre tela,
100 x 110cm
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Novo Mundo, Série Utopias e Ruínas, 2020, Colagem de jornal, cimento acrílico e fita adesiva sobre tela,
140 x 80cm. Vendido
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A luta pela cidade, Série Utopias e Ruínas, 2020, Colagem de jornal, cimento acrílico e fita adesiva sobre tela, 160 x 80cm. Vendido
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Repouso e respiro, Série Utopias e Ruínas, 2020, Cimento acrílico e fita adesiva de cobre e de tecido sobre tela, 160 x 80cm.




Hoje cedo, Série Utopias e Ruínas, 2020, Cimento acrílico e fita adesiva sobre tela, 120 x 70cm.
Doses de afeto












Doses de afeto, 2020
Seguindo o fluxo de "Utopias e Ruínas", as oito telas de 30x40cm são retalhos que apontam o enlace de uma única obra quando composta em sua totalidade.
Seu gesto fragmentado, porém, contínuo, permite a reflexão sobre o encadeamento da cidade e do corpo social em unicidade, estimulando a comunidade à caminho de um propósito de soma, progressão e completude.
Uma dose de afeto ao cinza, uma nova atenção ao instante.